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Inovação e Sustentabilidade do Agronegócio

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A evolução do agronegócio brasileiro tem um significado ímpar para a posição de destaque que o país ocupa no cenário mundial. Em poucas décadas, o Brasil não apenas passou de importador a exportador de alimentos, como também desenvolveu um espetacular programa de produção de energia limpa e renovável a partir de biomassa.  De produtor de café, açúcar e futebol, nos idos de 1970, a potência global do agronegócio na virada do milênio. Atualmente o Brasil continua sendo o primeiro produtor e exportador de café e açúcar, mas também é competitivo na produção e exportação de uma vasta cesta de produtos. Uma grande e exitosa revolução.

Evidentemente isso não se deu por acaso. Por um lado, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico promoveram a adaptação de centenas de espécies e processos de produção à região tropical do planeta. De outro, agricultores incorporaram tecnologias, buscaram conhecimento e melhoraram a gestão de suas propriedades.

Desde então, o aumento da produção brasileira vem se dando muito mais por crescimento da produtividade do que pela expansão da fronteira agrícola. A redução da pressão pela abertura de novas áreas tem feito com que toda a agropecuária ocupe, hoje, menos de 30% do território brasileiro, que é de 851 milhões de hectares. As áreas preservadas, cobertas com vegetação nativa, somam 66%, segundo a Embrapa. De acordo com a legislação ambiental em vigor, uma pequena parcela desse total ainda é passível de conversão para fins agropecuários. Por tudo isso, fica evidente a necessidade de perseguir, incansavelmente, dois pontos cruciais: de um lado, o aumento da produtividade agrícola e pecuária, a intensificação da produção, em sistemas integrados; e de outro, a valoração desse gigantesco ativo ambiental. Não há dúvida que esse é o caminho a ser percorrido para aumentar a produção e ofertar alimentos, energias e fibras para uma população mundial que cresce vertiginosamente; e para que o trabalho de preservação, conservação e proteção ambiental realizado aqui, principalmente pelos produtores rurais, seja reconhecido e valorizado.

Além de terras, o país reúne outras características importantes que contribuíram para essas conquistas, e das quais seguiremos dependendo para empreender e vencer os desafios que o futuro descortinará. A conjunção envolvendo água, sol, clima, tecnologia tropical de ponta e gente capacitada tem  possibilitado a realização de mais de duas safras por ano, na mesma área. Um enorme feito.

Essa trajetória, da insegurança alimentar à produção de alimentos seguros para os mercados interno e externo, fez com que organizações internacionais ligadas à ONU elegessem o Brasil como uma promissora fonte de alimentos, produzidos de modo sustentável, para suprir parte das demandas futuras da humanidade. É evidente que essa expectativa injeta ânimo em todos os elos, de todos os segmentos, de todas as cadeias produtivas, mas os esforços para fazer a engrenagem brasileira girar nos dias de hoje não têm sido nada desprezíveis. Antigos problemas e gargalos permanecem sem solução. Seguramente o Brasil seria muito diferente, e melhor, se tivesse havido, por parte dos governos que por aqui passaram, um mínimo traço de espírito público. Vontade política e ética também parecem atributos escassos nas agendas de muitos dos que aí estão como representantes do povo. O resultado tem sido a inibição de investimentos, e a consequente retração no desenvolvimento socioeconômico. O poder público parece ter se esquecido de que é a iniciativa privada a geradora de empregos e riquezas, e aquela que contribui com a acachapante carga tributária que irriga a máquina pública e viabiliza projetos sociais, e não o inverso.

Esse conjunto de coisas tem feito com que “pensar” o Brasil e o seu Agro em 2030, ou 2050, seja um exercício muito complexo. São tamanhas as condicionantes que imaginar o ponto de chegada, sem lançar um olhar com alguma preocupação para o percurso, soe romântico, ou até utópico.

Por falar em percurso, nem Carlos Drummond de Andrade imaginaria a quantidade de pedras que haveria no meio do caminho. Pedra só, não, mas buracos, crateras, lamaçal, pontes caídas, etc. Perda de tempo no transporte, custos elevados, assaltos demais e fiscalizações de menos. Cuidar da logística com um assertivo e efetivo planejamento intermodal, que inclui investimentos em ferrovias, hidrovias, rodovias, portos, aeroportos e armazéns, inclusive com transparência, do projeto à operação, é imprescindível.

Com ou sem a logística adequada, o trânsito de volumes maiores e a concentração na produção exigirão mais atenção aos controles sanitários. Além disso, uma saudável relação comercial se dá com exportações e importações. É equivocada a ideia de que precisamos exportar para todos os países e não comprar nada de ninguém. Este é, em si, um grande problema, pois depende, e muito, da atuação de agentes públicos, aos quais estão conferidos os poderes de fiscalização e inspeção.

No que tange à sanidade, burocracia e falta de pessoal têm prejudicado o processo de registro de novas moléculas, trazendo prejuízos para as empresas e insegurança para os produtores. Milhões de dólares e tempo são gastos no desenvolvimento de novas moléculas, e depois os processos se arrastam por anos de repartição pública em repartição pública, encarecendo e inibindo o investimento em defensivos destinados a culturas menos extensivas, posto que fica comprometido o retorno econômico do investimento. Na ausência de produtos registrados para algumas culturas, produtores se arriscam, e podem receber autuações severas por descumprimento das normas.

Soma-se a isso um emaranhado de legislações obsoletas. Não fosse esse já um problema em si, o processo para reformá-las é desanimador. O cumprimento de todos os passos, com todos os carimbos e escaninhos, não se traduz em garantias. A lisura dos ritos na tramitação deveria fazer com que as decisões restassem acatadas. No entanto, a própria estrutura encarregada das reformas carece urgentemente de reforma. E cortar na carne não é exatamente a coisa mais fácil a fazer quando o objetivo não é o bem coletivo.

Importante ainda agregar rápidas menções às dificuldades decorrentes de questões ambientais e trabalhistas.  O Código Florestal, aprovado há 5 anos e ainda não implantado, tem sido alvo de ações de inconstitucionalidade, pendentes de julgamento no abarrotado emaranhado de processos do Supremo Tribunal Federal (STF), e a tão necessária segurança jurídica para investir no setor que está salvando a economia do Brasil não acontece.

A questão trabalhista representa uma das maiores ameaças à competitividade brasileira. As ações trabalhistas constituem passivos ocultos que podem levar empresas à bancarrota, pois é larga a margem de subjetividade e o espaço para interpretações. Mesmo aprovada a reforma, há ameaças não veladas de que as mudanças não serão acatadas nos tribunais. O Brasil possui mais reclamações trabalhistas do que o resto do mundo somado. É perfeitamente lúcido afirmar que há algo de errado com a legislação, ou com a justiça do trabalho por aqui, ou com as duas. No meio rural, a fragilidade é ainda maior, pois, em que pese o elevado grau de especificidade quando comparado a qualquer outro setor da economia, não existe legislação específica. Pior do que isso, o empregador rural é obrigado a cumprir as exigências traçadas para o trabalho urbano, elaboradas por muitos que nunca sequer empoeiraram as solas de seus sapatos. Por isso são grandes as expectativas com essa recente reforma da legislação trabalhista, e com o Projeto de Lei 6.442/16 que tramita no Congresso Nacional, e que definirá aspectos legais voltados ao trabalho no meio rural.

Não bastassem esses percalços, o excesso de tributos e de burocracia, ainda nos deparamos com a inexistência de um planejamento plurianual para dimensionamento dos recursos oficiais para financiamento e seguro rural, hoje em dia aprovados no afogadilho, e que restam insuficientes e caros. Em muitos países, nos quais o agronegócio é base da economia, existe a preocupação para manutenção da renda dos produtores, e são diversas as formas de promover isso. A moderna agricultura brasileira não almeja subsídios, mas instrumentos de políticas públicas que garantam a renda dos produtores, o que pode acontecer via seguro. Também para esse caso, a existência de zoneamento agropecuário atualizado, com atenção aos eventos extremos, e seus desdobramentos, precisa caminhar junto com essa nova política de seguro rural. Nessa mesma linha, o fator de produção “água” também merece especial atenção. Aproximadamente 12% da água doce disponível no planeta, ainda que mal distribuídas, estão no Brasil. Porém, as recentes crises hídricas deixaram ensinamentos que evidenciam a urgência de um planejamento integrado e de ações imediatas. Por sua relevância, há legislação específica que determina as prioridades de uso da água, em caso de escassez, por mais genuínos e legítimos que sejam todos os outros.

Essas constatações entristecem, mas não desanimam os que militam no setor. Dada a vocação desse país continente, e a vontade manifestada por homens e mulheres que fizeram do agronegócio as suas vidas, fica o sentimento de que algo ainda mais grandioso nos espera. Muitos já enxergam onde o Brasil poderá chegar, se for capaz de promover a inovação e se seguir ampliando a sustentabilidade de seu agronegócio. Afinal de contas, o DNA do agro brasileiro está na essência dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e isso não é mera coincidência, mas reflexo do que já vem sendo entendido e feito pelo setor rural há muitas décadas.



Mas fica evidente que todos os avanços que guindaram o Brasil agrícola até aqui não trarão as respostas aos problemas que virão. Daí a necessidade de investir mais em ciência, tecnologia e pessoas. Em tempos de recursos cada vez mais escassos, é preciso desenvolver novos formatos, evitando sombreamentos e trazendo resultados aplicáveis com mais presteza. Não se trata de abandonar a pesquisa básica, tampouco mercantilizar a aplicada, mas compreender que o eixo econômico do tripé da sustentabilidade é o que dá ritmo e promove o equilíbrio possível com os outros dois, o ambiental e o social.

Da mesma maneira que a pesquisa precisa formar redes, o setor produtivo também precisa melhorar a sua organização, por questão de sobrevivência. Unificar discursos e pleitos é o ponto de partida para que o agronegócio seja ouvido. Se houver uma proposta de consenso sobre a mesa, o poder de convencimento é exponencialmente maior. Isso somente acontecerá com o fortalecimento das instituições, individualmente em seus segmentos, e entre elas, enquanto redes de representação classista.

E também aqui merecem destaque as cooperativas, por oferecerem meios capazes de viabilizar economicamente, pela união, aqueles produtores que poderão ser expulsos de suas atividades pela própria economia, pela incapacidade de conhecer e cumprir normas, exigências, burocracias, ou mesmo de gerenciar seus negócios. Cooperativismo é opção vencedora para adicionar valor, garantir renda e oferecer melhores condições de vida para os produtores, suas famílias e comunidades.

A melhor organização permitirá também um trabalho mais assertivo junto à sociedade. Por meio da comunicação, mostrar com clareza o que vem sendo feito no campo, as conquistas, os problemas, e o que é necessário acionar para melhorar. Trabalhar junto aos consumidores para esclarecer mitos, para haver melhor aproveitamento dos alimentos e redução dos desperdícios. Em outras palavras, abrir as portas de empresas e instituições para que a sociedade conheça e entenda a relação direta que existe entre campo e cidade, para que se sinta parte e que também se orgulhe.

O futuro? Como tudo na vida, será uma questão de escolha. Alguns poderão escolher passar os dias imersos em suas telas de computador, e imprimir suas refeições em impressoras 3D ou 4D. Outros talvez prefiram o aroma e as cores dos alimentos frescos. Caberá aos agentes do agronegócio fazer bem o que sabem, buscando a sua felicidade na promoção da felicidade dos outros, observando e prontos para satisfazer e emocionar seus consumidores.

Publicado no Portal Embrapa/2018

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ABAG/RP